Cuspes e perdigotos

Cuspi na cara de várias pessoas – homens e mulheres. E sinto orgulho disso. Pena que eu estivesse fora de mim e não tenha cuspido antes, em sã consciência, na cara de muita gente que também merecia. Merecia nojentas escarradas bem no meio da face.

Mas pelos cuspes e comportamentos inadequados dos quais nem sequer me lembro, fui injetada com várias drogas, na altura do quadril direito, abaixo da cintura. Ali, onde começa a bunda.

Foram tantas, mas tantas injeções, que depois de um mês, já fora do isolamento, ainda carregava dois enormes calombos, inchados e doloridos, nas ancas. Não é para menos que antes de me levarem lá para dentro, eu gritava:

– Me tirem daqui! Aqui se aplicam injeções letais! Me tirem daqui!

Poderia ter ganho o título de A Rainha dos Catarros.

A palavra catarro vem do grego, katharos, que significa puro. E é irmã da palavra catarse, que é o processo de soltar, expurgar emoções reprimidas. De acordo com o filósofo Aristóteles, o herói só sofre uma catarse se passa do bom para o mal, da graça para a desgraça. Então, sofrer uma catarse e soltar catarros nos outros, comungam da mesma raiz.

Nas tábuas de Moisés, escritas talvez por volta de 450 a.C., os dez mandamentos são claros. Mas quem escreveu nessas tábuas? Eram tábuas ou pedras? Foi Deus? Ou foram psicografadas no estilo espírita pelo pai do espírito santo? Teria Deus usado uma ferramentinha para fazer os entalhes e deixar suas mensagens? Usaria hoje um celular para mandar mensagens? Twittaria? Desenvolveria um app para IPad? E se escrevesse, seriam fictícias verdades?

Na escrita, direto do escritório divino, os mandamentos. Na história, outros mandantes. Na clínica, códigos indecifráveis, dois autógrafos e um mandado.

A Igreja Católica Romana fez dos Cátaros churrasco: massacrou milhares de homens, mulheres e crianças nas sangrentas cruzadas religiosas. Foram amarrados, vivos, em depravadas e sádicas estacas da época. Homens de Deus e espectadores inalaram, de narinas bem abertas, o fedor da carne humana queimando. Espetáculo de morte assistido pelo clero, do alto de seus camarotes com vista privilegiada.

Nas fogueiras, estalaram corpos e estalam vaidades, num repetitivo show de horror que se multiplica pelo mundo e que se repete com os costumes de cada era.

Quieta, espio o ridículo fenômeno do culto ao poder: dos padres cantores agarrados aos fálicos microfones (ou ao seus jovens rebanhos), fantasiados em seus longos vestidos coloridos sobre seus palcos sacerdotais, sedentos por popularidade e flashes. Os melhores assentos em suas paróquias são reservados apenas aos muito ricos, aos muito famosos, ou aos muito políticos. Já a sacristia, para os cordeiros de Deus.

Clamei, febril, por ajuda. Não veio. Veio um castigo.

Naquele sábado, não matei. Não adorei ninguém. Tomei o nome do Senhor em vão. Várias vezes, aos goles sedentos. Não honrei pai. Não honrei mãe. Mas também não adulterei. Nada furtei. Falso testemunho? Apenas contra mim mesma.